Sempre foi sobre nós

Sobre o livro organizado pela Manuela d’Ávila de violência política de gênero no Brasil.

Resenhas da Cla
4 min readApr 7, 2021
Foto de divulgação do livro do instituto “E se fosse você”

Comecei a ler o livro organizado pela Manu e não tem como não pensar no quanto a violência contra as mulheres na política é algo muito pesado. Ler esses relatos tem me feito refletir sobre como é ocupar ambientes em que não somos bem vindas.

Penso sempre que o divisor de águas entre minha militância sair do facebook e ir para outras esferas é a violência máxima cometida contra uma mulher na política que foi a morte de Marielle Franco em 2018. Já lia muito, estudava sobre muitas coisas mas não sabia como colocar tudo em prática. Fui pras ruas, conheci outras mulheres indignadas e criamos uma frente feminista para conversar e pensar caminhos sobre questões que envolvem mulheres.

Estar em ambientes políticos, não só partidários, é um teste de resistência contínuo. Termos já conhecidos, como mansplaning, bropriating, gaslithing, manterrupting, são mais comuns do que possamos imaginar. Penso nos ambientes que já participei, quais escolhi continuar e quais abri mão para me preservar. Já fui chamada de louca, de autoritária, de diversos adjetivos que bem sabemos só funciona para desenhar os termos citados acima.

Mansplaning é um termo criado pela escritora Rebecca Solnit sobre quando um homem tenta explicar para mulher algum assunto que ela entenda, que domine, que seja especialista. Bropriating é quando um homem se apropria de alguma ideia dada por uma mulher, mas quando o homem fala (a mesma coisa que a mulher falou) é mais bem aceita. Gaslithing é um termo que surgiu de uma peça de teatro em que o homem diminuía a luz da casa, a mulher estranhava e o homem dizia que não estava acontecendo nada, fazendo com que a mulher duvide de suas própria percepção, sanidade mental. Manterrupting são interrupções que os homens costumam fazer quando um mulher está falando para que ela perca a linha de raciocínio.

Ambientes tóxicos com violências normalizadas são rotinas em ambientes políticos. Tem um ambiente político que insisto em participar que tem um grupo de homens que espera eu falar um “a” que já começam a me desqualificar. Posso até falar algo que concordem, mas o exercício deles é sempre me colocar com a dissimulada. Por mais coerentes que sejam minhas falas, sempre acham brecha. Já tive muitas pessoas que vieram falar comigo sobre o “linchamento virtual” que fazem, mas essas pessoas nunca se posicionaram frente a eles, porque eles tem uma certa predominância naquele ambiente. Ambiente que se mantém há décadas sobre “o controle do mesmo grupo” pela violência que preservam para ser dominada por homens, mesmo tendo uma “mulher à frente”. Para mim, chamo de “os braços do patriarcado” para manter tudo do jeito que está. São braços que estão sempre prontos para se manter e afastar as mulheres que tentam se aproximar, mesmo tendo um discurso de que somos para todas, todos e todes.

A vivência em ambientes somente formado por mulheres me traz certos confortos, mesmo tendo sempre mulheres que seguem o patriarcado e que são orientadas por homens para compor esses espaços. Acaba acontecendo, as vezes, de ter certos espaços de disputas por isso. Fragiliza, incomoda, afasta algumas mulheres, afinal, ninguém quer ser vista como a briguenta, a autoritária, a que “quer se aparecer”. Mulheres quando fazem o que homens fazem, normalmente, é sempre tachada assim.

Confesso que uma das coisas que mais me magoaram, talvez pela proximidade dos fatos, foi ter participado da campanha eleitoral ano passado. Decidi apoiar uma amiga e trabalhar voluntariamente na campanha dela. Nunca tinha feito campanha, apesar de ter participado ativamente de um partido político por um tempo (que saí pelos motivos citados acima, mansplanning, bropriating, gaslithining…). Mas não tinha dimensão do quanto seria julgada POR PARTICIPAR. Nem candidata eu fui. Caí no limbo da violência política de gênero. Tiveram fake news minhas de que estava vendendo ideologia “por salário”, que estava me apropriando de muitas coisas para a campanha, sendo que sempre defendi o contrário. Inclusive me afastei de tudo durante a campanha, até da frente feminista que já citei aqui. Mas não deixei essa tentativa de ataque orquestrado afetar minhas rotinas. Ajudei a construir uma campanha muito bacana, independente e transparente. Minha amiga não foi eleita, mas me abriu caminhos para voltar a militância partidária. Conheci um novo partido, o qual começamos a construir novamente na cidade. Muitos elos foram rompidos com tudo isso, mas novos caminhos se abriram. Continuo em frente, com dificuldades mas com muitas parcerias. Continuo em outros tipos de militâncias e ativismos também, sempre separando as coisas. Construir política me faz bem, me dá forças e esperanças para continuar. Mas também me faz perder… amizades, elos, parcerias, noites de sono… mas se não enfrentarmos essas violências, que muitas vezes (mas nem sempre) são sutis, como mudar o que não concordamos? Adorei começar a ler essa lindeza de livro. Dá forças para continuar num ambiente tão hostil e dominado pelo patriarcado. Que possamos trazer mais e mais mulheres e que nos apoiemos ao invés de orquestrar ataques entre nós. Não existe só uma opção política, mas que possamos entender que política se faz no coletivo e não só com um grupo de pessoas… Bora continuar a leitura então!

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